2.3.14

auto-retrato

o rosto pousado na mão,
a expressão carregada a quem a decisão assusta
o comportamento dúbio em reflexo nos olhos
a culpabilidade de acender mais um cigarro.

os cabelos escorridos a tapar o peito,
os ossos a verem-se através da pele magra
os lábios tornados carnudos pelo baton garrido
as calças, aonde não cabem tantos para uma só.

os tornozelos onde tantas mãos dão a volta,
os pés moldados a calçadas de capitais tortas
a língua que espreita o ar fresco como uma faca
e dentes que esculpem os pescoços de quem ama.

leão, em horóscopos infiéis à realidade
querida a situações noctívagas pouco cristãs
e os olhos, outra vez os olhos, duros como azeitonas
opacos, melancólicos e nostálgicos do que não vê.

- conto, sozinha, horas sem ter relógio
canto, em banhos, músicas para em histeria culminar
passeio, em fuga, à cedência do meu corpo à inércia
fé, por amantes de coração imaginar.

- escrevo, folhas brancas prescritas com azar
apaixono-me por melodias soadas aos meus ouvidos
e que suar, me façam no final de conversas inóspitas
enquanto as minhas geométricas feições se adocicam.

ser, escrever um auto-retrato e sê-lo
quando retratos só são cenários pintados,
- amor é que me retrata, ama-me e conforme me amares
maduramente irei amar-me e saber-me de cór.

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