23.10.15

em prosa II

A história começa com um revólver apontado à cabeça de Archie. Vê-se a mão nervosa de Lewis, ensanguentada pelas peles que roeu antes de sair de casa, decidido a ver os miolos de Archie parecerem um Pollock ao escorrerem pela parede branco-pérola diante dos quatro olhos que a fitam.
A cena dura uns vinte segundos até Lewis o fazer. Apesar de ter chegado decidido, matar Archie requer concentração e um ar imponente sobre o corpanzil dobrado do mesmo. Parece feito de mármore - não por ser difícil de matar, isso todos somos feitos do mesmo tecido fácil - é pela cor que se vai tingindo desde a face estupefacta, aos dedos dos pés trementes. A palidez nunca foi hábito seu e agora vê-se ali quase reflectido na parede que vai assistir o seu corpo projectado.

“Ninguém merece o sono eterno tão cedo, Lewis…”, e o alocutário retorque com o tom arrogante que outrora costumava ser de quem enunciou a frase de forma tão suplicante, “Archie, habitua-te que vais parar lá acima daqui a nada”.
Quem não aguentou ficar sem o seu melhor amigo foi Lewis: guardou o agora deteriorado corpo de Archie em casa, sentado no seu sofá predilecto e ali ficavam em monólogos pelos dias fora. 

A demência e a saudade foram-lhe ingratas - e é num momento de lucidez que Lewis pega numa corda e decide acabar como réplica do “O Grito” de Munch. 

Pelo menos deram belas peças de museu.

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