a palavra ficou démodé, amor
que gesto obsoleto o de quem prefere descrever a fotografar
de quem prefere cismar, a constatar.
a palavra tornou-se mulher velha e cansada
- com peitos pendurados e trapos semi rasgados.
quem é que pergunta pela tenacidade das letras
que se encaixam entre caligrafias feias em folhas porcas?
quando a voracidade com que comem os olhos
é maior que aquela com que a boca
consegue comer o prato.
Monólogos Dialogados
27.11.16
18.8.16
#23
às vezes o vento abraça-me
mas nem sempre é querido.
nem sempre escorrega pela pele
porque a pele nem sempre é suave
-
a minha pele fez-se com o que teve em cima
mesmo que fale do fogo, o fogo fez-me a pele enrugada,
mesmo que uma lâmina a tenha deixado como se fosse terra árida
a minha pele fez-se como um bebé novo a sair de uma das fendas
e quando tive um homem
a minha pele revirou-se como se revira uma camisola que nos deixa ver como é feita por dentro.
-
às vezes o vento abraça-me
mas na maioria das vezes entra-me pela boca e afia-me a língua
como se fosse um homem
que me entrasse pela boca e mostrasse o que é o amor.
mas nem sempre é querido.
nem sempre escorrega pela pele
porque a pele nem sempre é suave
-
a minha pele fez-se com o que teve em cima
mesmo que fale do fogo, o fogo fez-me a pele enrugada,
mesmo que uma lâmina a tenha deixado como se fosse terra árida
a minha pele fez-se como um bebé novo a sair de uma das fendas
e quando tive um homem
a minha pele revirou-se como se revira uma camisola que nos deixa ver como é feita por dentro.
-
às vezes o vento abraça-me
mas na maioria das vezes entra-me pela boca e afia-me a língua
como se fosse um homem
que me entrasse pela boca e mostrasse o que é o amor.
19.6.16
#22
explodia levemente
a tua face geometricamente desenhada pelo Amadeo
sob o olhar das minhas mãos
- a indiferença de ter duas armas impotentes -
e a minha língua um gume afiado
de palavras etéreas ao teu leito final ditadas.
pergunto-me o que se faz com um corpo
e o que se faz depois com o quadro pintado desse mesmo corpo
fitado na parede branco-pérola tornada vintage
pintado na nossa memória ad aeternum.
a tua face geometricamente desenhada pelo Amadeo
sob o olhar das minhas mãos
- a indiferença de ter duas armas impotentes -
e a minha língua um gume afiado
de palavras etéreas ao teu leito final ditadas.
pergunto-me o que se faz com um corpo
e o que se faz depois com o quadro pintado desse mesmo corpo
fitado na parede branco-pérola tornada vintage
pintado na nossa memória ad aeternum.
18.2.16
sumário
temos uma mão e não sabemos onde pô-la na vida.
com ácido sulfúrico não regamos nós teses sobre o marasmo,
com um isqueiro não queimamos peles engessadas do que já fomos,
com uma faca não cortamos o ouro cobertor da rudeza que nos foi moldada,
no entanto temos uma mão,
e uma vida,
mas não temos mão na vida
nem mão em nós.
com ácido sulfúrico não regamos nós teses sobre o marasmo,
com um isqueiro não queimamos peles engessadas do que já fomos,
com uma faca não cortamos o ouro cobertor da rudeza que nos foi moldada,
no entanto temos uma mão,
e uma vida,
mas não temos mão na vida
nem mão em nós.
enquirídio
se me socorrer da sapiência
o que posso eu afirmar que sei?
se sonhos são feitos do brilho da lua e do calor maternal do sol
- sem nunca os ter tocado -
como posso eu socorrer-me da sapiência
se nas entrelinhas nem me sei reger pela mais antiga lei?
depois vem a ciência,
que não me permite desabafar com ela o que em enquirídios não vem.
restam-me os rascunhos guardados e mimados:
cansa-me perguntar tantas vezes ao Freud o que é um carrossel
o que é beliscar o irracional para voltar a pôr os pés em terra que não me desarme
em lama que não me enterre, engolindo o que são os dias
e pondo-me num aconchego fetal de onde nunca devia ter saído.
viver é só mais mais uma ficção engraxada por momentos fragmentados em anos -
não nos venham dizer que isto aqui é bom
nem em plumas nos sabemos pôr.
o que posso eu afirmar que sei?
se sonhos são feitos do brilho da lua e do calor maternal do sol
- sem nunca os ter tocado -
como posso eu socorrer-me da sapiência
se nas entrelinhas nem me sei reger pela mais antiga lei?
depois vem a ciência,
que não me permite desabafar com ela o que em enquirídios não vem.
restam-me os rascunhos guardados e mimados:
cansa-me perguntar tantas vezes ao Freud o que é um carrossel
o que é beliscar o irracional para voltar a pôr os pés em terra que não me desarme
em lama que não me enterre, engolindo o que são os dias
e pondo-me num aconchego fetal de onde nunca devia ter saído.
viver é só mais mais uma ficção engraxada por momentos fragmentados em anos -
não nos venham dizer que isto aqui é bom
nem em plumas nos sabemos pôr.
15.2.16
epígrafe
ah, se eu sentisse as notas de um piano
seria como encontrar-te em efémeros tangos
sobre o confronto em poemas de amor
entre o coração de tontos
e a cabeça de nados-mortos.
14.2.16
síntese
se deus tem escrito um salto na transversal
um embate na horizontal
e um memorial posto numa cruz vertical
gastaremos nós palavras em declarações de prazer vagas?
em sentimentos cantados por festas incompreendidas de maledicência?
enaltecemos as sombras e não nos enaltecemos a nós
- no fundo, é tudo maior que o nosso corpo -
e deus em nós
escreve que somos fantasia na sua cabeça etérea
deixando-nos cuspidelas insalubres pelo que criou sem graça
por vivermos nós a realidade
e ele o eterno desfile de penas de um pavão.
um embate na horizontal
e um memorial posto numa cruz vertical
gastaremos nós palavras em declarações de prazer vagas?
em sentimentos cantados por festas incompreendidas de maledicência?
enaltecemos as sombras e não nos enaltecemos a nós
- no fundo, é tudo maior que o nosso corpo -
e deus em nós
escreve que somos fantasia na sua cabeça etérea
deixando-nos cuspidelas insalubres pelo que criou sem graça
por vivermos nós a realidade
e ele o eterno desfile de penas de um pavão.
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